20 junho 2007

Luís Monteiro da Cunha

Enormes...


foto: lmc/2007



Enormes…

As costas eram margens de regatos. Molhadas é o termo correcto, se bem que o líquido que destas escorria, não fosse água, mas suor. Transpiração do esforço que no momento, a transfigurava e obrigava a soltar urros longos, como se fosse um qualquer animal a estrebuchar pela vida.
Pensando bem, tratava-se de vida. O esforço da sua vida, geradora de outra vida que estava prestes a exultar.
Mas o safadinho, pois sabia ser um menino, não aceitava a sua expulsão e quedava-se no leito líquido, retardando ao máximo a sua apresentação ao novo mundo e consequentemente, obrigando-a cada vez mais, a um esforço sobre-humano.
O médico de serviço, impaciente, disse-lhe para fazer uma nova tentativa com toda a sua força e coragem, senão, teriam de fazer uma cesariana. Que é isso? Cesariana nunca, ela não queria. Tivera já três filhos e todos saíram pelo mesmo sítio. Hoje, são todos fortes, felizes e sadios. Este, teria de nascer do mesmo jeito, desse por onde desse.
Prepara-se para o esforço derradeiro. Enche os pulmões, retesa os músculos faciais e os braços com as mãos fechadas, enche-se também de toda a vontade resoluta. Pensa no bebé, e mentalmente fala-lhe: «vais sair, ajuda-me, Deus! Sai meu filho! Não me obrigues a sofrer demais!» Soltou-se, parecendo relaxar. Repentinamente, abriu até ao limite das suas forças, todo o quadril e pernas e deixou que se expelisse de si, todo o ar, todo o esforço de músculos, carne, sangue e até, toda a sua alma jorrou nas mãos da enfermeira atenta.

O mundo parou para si e tomou-a de uma paz liminar. Deixara de sentir dor, aliás deixara de sentir qualquer coisa. Toldaram-se-lhe os olhos, os ouvidos, os sentidos. O mundo desapareceu momentaneamente e a paz ou dormência tomou conta do seu dorido e ainda convulso corpo. Que serenidade e paz agora sentia. Apesar dos olhos fechados, via no ar pequenas luzes a bailar, como se o quarto estivesse inundado de pirilampos.
- É um menino! Parabéns! – Alguém disse.
Abriu os olhos e viu o médico a limpar o bebé ainda coberto de algum sangue e líquido amniótico, parecia coberto de pó de talco. Era grande, pareceu-lhe até enorme, reconhecendo no tamanho a razão da dificuldade do parto.
Seus seios tumefactos, imediatamente jorraram gotículas de leite amarelo queimado. Pareciam ávidos de serem sugados por aquela boca pequenina e rosada, que acabara de emitir os primeiros sons.
Enquanto o amamentava pela primeira vez, deitado no seu peito, reparou nos dedinhos perfeitos que lhe acariciavam a mama; o seu cabelinho farto e negro que tanto a enjoara durante a gravidez; aqueles braços e grossas pernas ainda amarrotadas.
Como era lindo o seu menino; chorou copiosa e amargamente enquanto o admirava. Sabia que apenas tinha três dias para ficar junto dele. Depois, nunca mais seria a sua mãe. Era esse o negócio previamente acordado: tinha recebido uma quantia avultada para o trazer à vida no seu ventre e teria de o entregar ao pai e futura mãe, logo após a alta hospitalar da criança. Uma dor lancinante a possuiu nesse momento, como se todo o seu corpo rejeitasse a separação.
Haverá dinheiro que pague o amor? Mas existe a honra. Ela fora paga e recebera, para o trazer à vida, mas… que vida?


© Luís Monteiro da Cunha

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1 Comentários:

Às 20/6/07 17:52 , Blogger margusta disse...

Luís,
...Adorei o texto...tão real , que me lembrei dos meus partos. No fim ..no fim um arrepio que ainda me percorre o corpo...
E mais não digo..não consigo imaginar-me a separar-me de um filho meu...

Um dilema este que apresentas..tb tão real...

Beijinho amigo em ti!

 

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