Anacrónico dos sentidos
Anacrónico dos sentidos
© Luís Monteiro da Cunha
Experimenta fabricar um dia de ausências:
nem som ou visão. Um dia: puro,
sem a mácula de ruído, de imagens.
Procura o isolamento profundo.
Lentamente,
inexoravelmente, és invadido por leve torpor
que docemente embriaga o plexo,
extraindo-se do nexo casual
e o vazio.
Uma acre sensação de abandono;
de perda; de ausência;
o fel do corpo sobe à garganta,
sentes a matéria a desfazer-se,
ínfima, retalhada,
a voar, milhares de estrelas brilhantes, e
tu vogas, perdido da matéria, do som, do olhar,
como se o peso do conhecido te contraísse o peito,
que sofre avassalador
a implosão da razão. uma dor lenta,
infantil, acomete os teus olhos
uma vontade dos seios e sorriso mater.
Regride ao ventre que te gerou, e choras,
e espantas-te, e renegas,
e queres socar o universo que gravita serenamente na poeira cósmica de quanto o teu consciente consegue tomar como conhecimento.
Do que sentes e vês sem ver.
Apenas sentes imagens
que fulgurantes, perfuram os sentidos meteóricos.
És acometido pelo impulso
primário de perda
do in-conhecimento humano.
A nova sensação é voraz e dolorosa.
Resiste, resiste!
Não bulas, nem te atrevas a retesar um só músculo.
Aceita-te como te vês, assim és.
Acolhe o esgar dos lábios que extrais do teu ser,
como a força que mantém a imobilidade.
inerte o gesto e o corpo, que vibra louco,
negando-se por desanexação do real/irreal.
Agora, encontras-te encontrado,
acolhe a tua nova, sempre presente, fragilidade.
Devora o medo, lento, que te invade.
de imediato se esvai o escuro claro que se faz.
a luz da utopia é a concepção de ideias generalizadas.
o eco que apenas adivinhas nos farrapos de imagens
que trespassam libidinosamente a fragilidade da coragem.
Começas por reconhecer o ínfimo sentimento de paz que te absorve, anulando inúteis temores, inúteis gritos, inútil reconhecimento.
Abandona-te nos braços da teia microscópica
que embala a sensação de finidade inútil.
Reconhece, sem que te reconheças, o vazio da existência magma onde flutuas.
Sabes agora que a dor – do que conheces como vida – é a dor vazia
inexpressiva de conteúdo, supérfluo viver/sofrer, ignota ignorância do desnecessário preciso.
Apenas após conhecer o silêncio, a in-visão,
quando escutas – inundado - o troar forte
e cadenciado da máquina universal, conseguirás escutar,
ver e compreender, os maravilhosos ínfimos sons,
que te envolvem, penetram e sustêm a matéria.
Saberás então, que o mundo és tu, - etéreo -
vive em ti e de ti, engrenagem fundamental
da anacrónica função que resiste, apesar
de cronologicamente, seres um ser,
esquecido, que persiste no gesto do suicídio.
.
Etiquetas: Caminhos, Esperança, Imagética, Realidades, Utopia
7 Comentários:
Este poema, navega já, por mares nunca imaginados pelo autor.
Tem tido enorme eco dos leitores e encontra-se re-publicado em vários sitios da net e fóruns de discussão.
Como autor de palavras singelas, não esperava tamanho brado, por esta utopia estranha e singular, no entanto registo o agrado que o mesmo proporciona a quem o entende e desbrava na plenitude.
Por isso mesmo, não poderia deixar de o postar agora, aqui, no Bufagato.
Abraços
luis
Olá,
Desculpe a minha ausência, mas o que importa é, que estou de volta.
Continuarei a comentar, é esta a minha maneira de ser:
Oferendo poemas de alguém, receba com carinho!
Vaidade
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!...
Florbela Espanca
Beijinhos e uma boa semana...
Uma engrenagem quase, quase perfeita.
Passa um bom fim de semana Luís.
E fizeste muito pois obras primas não são para deixar escondidas. A tua poesia progrediu. Aplauso meu.
Luís:
Tem tido enormeeco porque é uma obra prima de sensibilidade e de pesquisa interior.
Beijo
Poema denso e de conteúdo forte, apelo à introspecção total e profunda que muito apreciei.
Pelos visto não fui nem por sombras a única!! :-)
Um beijo, Luís.
Faço minhas as palavras de muitos anteriores comentários. é um excelente poema.
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