06 março 2006

Luís Monteiro da Cunha

Praia dos Beijinhos

imagem: Bufagato
Praia dos Beijinhos



O Sol límpido e quente, abraça-me e tolhe-me os sentidos, deixando-me lento, até pachorrento. Tão gostoso este sol.
Junto às praias, estaciono o veículo, resolvido a encontrar um local aprazível que me possa proteger do vento agreste e onde me possa deleitar com o que prevejo, será um magnífico pôr-do-sol.
Estou na Praia dos Beijinhos, na marginal de Leça da Palmeira.
Sento-me numa das várias esplanadas ali existentes, encostado ao enorme vidro com vista directa para a minha sedução: o mar e a praia.
A sala/esplanada, está a abarrotar de pseudo-estudantes. Jovens imberbes, rapazes e raparigas que carregam uma carrada de livros que nem sequer abrem, preferindo poluir o ambiente com as graçolas e as risadas entre si. Seria bonito o ambiente de sorrisos e alegria, não fosse o facto de se tornarem desagradáveis os gritinhos e quase berros com que presenteavam os clientes.
Após cerca de vinte minutos, sem que alguém se dignasse sequer perguntar o que desejava tomar, eu que até estava com sede, resolvi levantar ferros e deambular até outras bandas mais serenas mas com vista para o meu amado mar.
Se melhor o pensei, melhor o fiz.
Não precisei andar muito. Atravessei a marginal, pois imaginei que as esplanadas de praia seguintes estariam também pejadas de estudantes e entrei no primeiro bufete que encontrei defronte para a praia, o mar e o sol, como era meu desejo.
Ainda mal estava sentado, fui recebido com um enorme sorriso, descobri depois que era a proprietária, de boas vindas e desejos de boa tarde.
Indolentemente, saboreei uma geladinha, apesar do vento frio o mar secara-me a garganta, enquanto o meu séquito tomava um sumo de manga e gelados de chocolate Pallina que adoraram.
Era pequeno o lugar, apenas tinha sete mesas e o balcão para os clientes.
Na coluna central forrada a madeira e com uma prateleira a toda a volta, reparo em livros gastos, dezenas, senão centenas de vezes folheados, com aspecto abandonado. Esta visão suscita-me várias questões. Seriam livros esquecidos dos clientes, ou fariam parte do espólio caseiro e para agradar aos mesmos clientes? Quem os lia? A patroa? A empregada… não, esta era jovem e não me parecia muito dada a este tipo de leituras, talvez folheasse sim, mas apenas revistas que para aí existem e que estão na moda.
Apeteceu-me agarrar num dos livros espalhados na estante improvisada e descobrir o âmago de pelo menos um deles, até porque não me tinha feito acompanhar dos meus. Mas inibi-me de o fazer. Primeiro, porque não sabia de quem eram, se da casa se dos clientes que possivelmente ali os deixavam por serem clientes habituais… formou-se-me uma ânsia na boca do estômago. Forcei-me a olhar para outro lado e assim me abstrair daquela presença tão apelativa. Depois existia também a curiosidade natural de saber o tipo de leitura, embora pelos formatos, adivinhava livros de bolso e os outros… esses é que me chamavam, num apelo persistente, como gostaria de os folhear e descobrir o que teriam para me dizer das suas histórias, nem que fosse apenas umas quantas páginas, descobriria imediatamente o seu ser, o que versavam, de que massa foram feitos.
No local, além da patroa e da empregada, apenas mais duas mesas estavam ocupadas. Na outra ponta do estabelecimento, um homem já entradote, folheava indolentemente um jornal diário, todo recostado para trás na cadeira quase não deixava ver o rosto. Como eu, recebia na fronte os beijos solares que nos aqueciam o corpo e nos tornavam mais indolentes ainda.
Perto da porta de entrada, numa mesa perto de nós, duas figuras femininas falavam em surdina. Uma delas teria cerca de dezoito anos, a outra era mais velha, rondava os trinta e estava sentada ligeiramente de costas para nós.
Passeei os meus olhos pelo bufete e por fim fiquei absorto na água do mar espelhado que me feria os olhos.
O sol, despedia-se deste lado do mundo, ladeado por dois navios que aguardavam ordem de atracagem no porto de Leixões. Entre eles se iria deitar o sol.
Estava nesta contemplação, quando sinto… não uma, nem duas, mas várias vezes senti, que éramos olhados à socapa. Logo me apercebi da fonte desses olhares. Também ela se apercebeu que eu me tinha já apercebido das mensagens subliminares:
“Quem és?” “Olha para mim” “Como te chamas” “Vem até aqui” “Senta-te na minha mesa” “Quero conhecer-te”!
Olhei-a directamente nos olhos, obrigando-a a disfarçar. Sem que se apercebesse e baixinho disse ao meu filho de quinze anos que ela estava interessada nele. Claro que ele desdenhou, é tímido, e até negou, mandando-me calar… mas a verdade é que apesar de se fazer de desinteressado, surpreendi um sorriso calado na direcção da mesa dela… claro que a partir desse instante, as mensagens visuais e subliminares eram mais que muitas, mas eu sabia que não passariam disso. Conheço o meu rebento e na sua timidez, sai ao pai, nunca teria coragem de se levantar. Talvez daqui a mais uns anitos, quando já for mais seguro de si e da sua beleza imberbe…
Quando o sol já se deitara, paguei, saímos e então reparei numa enorme tabuleta que me passara despercebida até então:
“PRAIA DOS BEIJINHOS”
Compreendi então que ali, na “Praia dos Beijinhos”, tudo pode acontecer e o mais provável é acontecerem muitas aventuras, até… beijinhos!

Boa semana para todos.

© Luís Monteiro da Cunha

16 Comentários:

Às 6/3/06 11:40 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Sempre a correr... mas lá consegui postar...

Boa semana para todos

 
Às 6/3/06 13:51 , Blogger Crepúsculo Maria da Graça Oliveira Gomes disse...

Adorei este post deliciei-me com ele aquela estória da rapariga e tu a fazeres de casamenteiro do teu filho achei um piadão. Beijinhos

 
Às 6/3/06 14:10 , Blogger ponto azul disse...

Eu adoro esta praia!Que recordações...Bjs amigo :-)

 
Às 6/3/06 15:42 , Blogger António disse...

Muito bom este texto.
Embora encerre uma pequena história, ele é essencialmente descritivo dos ambientes e paisagens e emoções que te rodearam nesse fim de tarde a ver o ocaso junto ao mar.

Um abraço

 
Às 6/3/06 16:53 , Blogger S disse...

Adorei a história, e adorei ainda mais o local... belissimamente descrito, como só tu sabes Luis!
Bjs,
S

 
Às 6/3/06 16:56 , Anonymous Anónimo disse...

Só o título foi sugestivo, mas realmente não estava à espera do texto... engraçado por sinal. Ainda nãofui a essa praia, mas deve ser linda pk em leça só há praias assim. Beijinho e contínua a fazer de casamenteiro que um dia ele agradece. ;)

 
Às 6/3/06 19:37 , Blogger Que Bem Cheira A Maresia disse...

Obrigada pelas tuas palavras lá no meu canto.

Sempre que me for possível tb virei visitar todos os que me acompanharam.

Um beijo da Lina/Mar revolto

 
Às 6/3/06 19:50 , Blogger Su disse...

gostei de ler.te
jocas maradas

 
Às 6/3/06 21:16 , Blogger Unknown disse...

Uma Praia dos BEIJINHOS, também quero, beijinhos e Praia!!!

Boa semana querido amigo e mais um beijinho

 
Às 6/3/06 22:46 , Blogger Unknown disse...

Querido amigo, estive meio ausente mas já estou voltando, pouco a pouco... Gostei de poder ler-te outra vez!
Muitos beijos, flores e muitos sorrisos neste começo de nova semana!

 
Às 6/3/06 23:04 , Blogger Kalinka disse...

SIM, VIESTE POSTAR UM TEXTO MUITO BELO. ESTÁS CHEIO DE INSPIRAÇÃO.

Já eu não posso dizer o mesmo, a minha cabeça parece que rebenta...
não estou com inspiração nenhuma.

Mas, vim aqui agradecer as tuas palavras de apoio, que deixaste no meu kalinka. Obrigado por tudo.
Beijokas.

 
Às 7/3/06 02:44 , Blogger Amaral disse...

Sobre a Praia dos Beijinhos, uma boa crónica social, daquelas onde encontramos todos os pormenores, relatados passo a passo.
Desde a "seca" de vinte minutos sem seres atendido, até à esplanada da praia, onde foste recebido com um sorriso - coisa já rara, nos tempos que correm…
Foi pena não teres decidido ir "dar uma mirada" aos livros que te deixaram intrigado, e foi pena terem desperdiçado "um papo" com a dona daqueles olhos que lançavam imagens sublimares.

 
Às 7/3/06 11:53 , Blogger Luz Dourada disse...

O teu filho sai a ti?
Espero que sim; que também tenha uma alma de poeta como o pai!
E a praia dos beijinhos é a mais apropriada para ti que, felizmente, és um dos grandes beijokeiros desta roda de blogueiros. Os teus beijinhos com as tuas lindas apalavras, sabem-nos sempre a mel...

 
Às 7/3/06 19:14 , Anonymous Anónimo disse...

Sabes que já não há beijinhos (as conchinhas) na Praia dos Beijinhos. Mas a leitura deste teu fim de tarde na Praia dos Beijinhos deliciou-me Bufagato. Beijinho

 
Às 7/3/06 19:56 , Blogger margusta disse...

Olá luís
Adorei ler-te!!!
Excelente narrativa, por momentos acho que tambem eu estive convosco na "Praia dos beijinhos".
Fiquei curiosa com aqueles livros...no teu lugar não sei se tinha resistido em dar uma espreitadela em alguns :))

A minha tarde de Domingo foi um pouco idêntica á tua, tambem num bar á beira mar, com estudantes e surfistas só que estes um pouco mais sossegados :))

"Compreendi então que ali, na "Praia dos Beijinhos", tudo pode acontecer..." LINDO

Beijinhos Luís

 
Às 13/3/06 12:11 , Blogger lena disse...

em corrida venho eu, vim trazer-te beijinhos, num sabor a mar, que me prende

adorei ler o teu texto, os meus domingos têm sido entre mim e o mar, os outros entre mim, o mar e o trabalho

beijinhos para ti muitos qierido amigo

lena

 

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