A Decisão... (12)
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- Ana... tenho um assunto muito sério para te falar. - Disse novamente a Dr.ª Isabel.
A visada continuou calada, olhando nos olhos da interlocutora, inquisitiva.
- Ando a pensar nisto à uns tempos... e é chegada a hora de te fazer umas perguntas muito importantes para mim...
Os olhos de Ana brilharam, expectantes.
- Sabes que sou viúva, e infelizmente o Sr. Engenheiro, meu falecido, não me honrou com a dádiva de filhos, Deus o tenha em descanso, motivo pelo que não tenho descendência. Poderia ter adoptado uma criança quando era mais nova, mas não o fizemos quando o engenheiro era vivo, sempre com a esperança de que um dia... e agora é tarde demais; já não o posso fazer. Gostaria de te fazer uma proposta... mas não sei como a receberás...
- Sou toda ouvidos, Dr.ª - Disse Ana.
- Pois... pensei muito... e.. como sabes, simpatizei contigo desde aquela tarde em que te conheci.
Só por isso é que te ofereci o emprego na firma, apesar de ter o quadro de pessoal completo.
Acho que foste sincera e verdadeira e portanto merecias uma oportunidade de endireitar a tua vida e assim conseguires serenar essa cabecinha que andava perdida, sem rumo definido.
Claro que depois acompanhei devidamente todo o teu trabalho e postura nos vários serviços, de que incumbi o Dr. Antunes para tos destinar.
Cada um mais difícil de realizar. Alguns até, sem que estivesses devidamente habilitada para os concretizar devido à sua especificidade.
A todos deste uma saída satisfatória e sempre os cumpriste cabalmente, apesar da dificuldade de cada um.
Mas para mim o mais importante... nunca deixaste de os cumprir, por mais dificeis que fossem, e tiveste sempre um sorriso nos lábios. Demonstraste assim uma alegria contagiante e contribuiste para uma boa relação laboral de inter-ajuda com as outras meninas.
Porque nesta casa, não admito intrigas ou futilidades exteriores ao serviço. Eu apoio e incentivo a camaradagem entre todas e por isso exijo a entreajuda, que tem de ser uma constante.
Ana escutava estupefacta, uma lágrima começava já a aflorar no canto do olho.
A Dr.ª Isabel não se deteve:
– Muito gostei de ver-te trabalhar assim, alegre e bem disposta, a dizer gracejos por tudo e por nada, contagiando quem estava próximo. Eu bem vi as gargalhadas que davam quando te ouviam... – A Dr.ª fez uma pausa. – Por isso mesmo, sou eu própria que recruto todas as meninas para o atelier de costura. Reparei que foste aceite por quase todas e algumas até procuram a tua companhia na hora de almoço, o que diz muito de ti. Não é verdade?
Ana aquiesceu com a cabeça, pois não conseguiu pronunciar qualquer palavra com a comoção que estava a sentir.
Fechado no gabinete, pensativo e melancólico, Jorge continuava abismado com o seu gesto, não encontrando solução imediata para o justificar.
Tentou animar-se e pensar outra coisa.
O que não tem solução, solucionado está.
Lembrou-se das palavras da Dr.ª:
“- Quanto à colecção “Nevada”… O Dr. não se esqueça de fazer como recomendei. Vai ver que ainda conseguimos salvar isto.”
Claro, a tarde estava a passar e ele ainda tinha de resolver o problema criado por Ana. Tanto que fazer e ele a recriminar-se.
Premiu um botão no intercomunicador, enquanto retirava da gaveta a pasta com o organograma da colecção “Nevada”, planeando efectuar as alterações necessárias conforme as indicações da Dr.ª Isabel, colocando-a sobre a secretária.
Levantou o auscultador do telefone, enquanto pensava na ideia da Dr.ª.
Torcia para que fosse aceite pelo cliente. Tinha quase a certeza que seria aceite. Afinal a ideia era fenomenal. Não chegou a completar a marcação do número.
Bateram à porta pedindo para entrar. Jorge lembrou-se que estava trancada e levantou-se abrindo-a de imediato. Mandou a D. Olga sentar-se defronte da sua secretária e explicou o que deveriam fazer para completar a colecção “Nevada”.
A encarregada ficou contente com o que ouvia e levantando-se a sorrir, quase não deu tempo de Jorge acabar as intruções.
- Ainda bem Dr., vou já providenciar tudo. As meninas vão ficar tão contentes!... - Disse, saindo rápidamente do gabinete.
Jorge também estava mais alegre.
O mundo de Ana, estava irreconhecível.
Quando pensava estar em ruínas e já sem saber como o reconstruir de novo, eis que aparece uma luz ao fundo do túnel.
Não se reconhecia a si própria.
Sempre fora forte e batalhadora e no entanto nas ultimas horas, verificou toda a sua fraqueza perante os imponderáveis das situações que em catadupas se lhe apresentaram e alteraram o sentido comum, fugindo ao seu controle.
- Bem... – Continuou a Dr.ª olhando, séria, Ana nos olhos - O que preciso de te perguntar é o seguinte... como não tenho filhos e segundo sei, não te dás muito bem com os teus pais... Têem os vossos problemas... achas que poderias encarar a possíbilidade de eu te adoptar?... Teria muita honra que fosses minha filha. Serias a minha herdeira natural e um dia, quando eu morrer, tudo isto seria teu. Sei que farias bom uso de tudo e continuarias assim a minha glória.
Ana estava boquiaberta. Ficou calada, sem saber que dizer.
- Não precisas responder de imediato. Pensa bem. Não te quero forçar... e sei que é uma decisão importante e difícil para ti. Mas eu necessito de saber agora, se pelo menos estás disposta a encarar e pensar nesta proposta...
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© Guilherme Faria
Posted by: lmc