14 novembro 2005

Luís Monteiro da Cunha

A Decisão... (4)


Soergueu-se resoluta. Iria ser alguém. Mostrar-lhe-ia que não necessitava dele para ser feliz.
Afinal não era nenhuma sonsa, nem deficiente. Tinha bons braços, cabecinha e ideias, para trabalhar e angariar os seus próprios proventos sem depender de ninguém.
Mas para isso teria de mudar de cidade. Esta era pequena demais para os dois, seria impossível viver ali.
Até porque ainda era uma cidade de província, tacanha, em que quase todos se conhecem e por respeito à abastada família de Paulo, quando se soubesse da separação, ninguém a aceitaria ou daria qualquer apoio. Seria sempre conotada ao Paulo, fizesse o que fizesse. Afinal, este, era o segundo filho do Dr. Tavares. Médico oncologista, de renome conceituado, com consultório em várias localidades. A família possuía uma quinta brasonada nos arredores da cidade fundada pelos seus antepassados. Orgulhavam-se dos ente-queridos que conviveram com a realeza. Pelo que a família era estimada por todos, sendo ouvida nas decisões mais pragmáticas do concelho e do clero. Devia-se à família Tavares, o recente abanão rumo ao desenvolvimento que a antiga vila deu. Criaram-se novas urbanizações de cariz social, nos terrenos cedidos pela família à autarquia, bem como um pequeno parque industrial para os jovens resolutos e empreendedores iniciarem os seus negócios, captando ainda outros investidores, gerando emprego e melhoria económica para a localidade.
Por tudo o povo era grato ao Dr. Tavares.
A família de Ana era simples e modesta.
A sua mãe, costureira de profissão e modista por vocação, fora sempre contra o estilo de vida alegre e prazenteiro da filha.
O pai, recentemente reformado da EDP, praticamente não tinha acompanhado o seu crescimento, andara sempre por fora em serviço pelas barragens do país.
Fora, como dizia amiúde, uma filha órfã de pai vivo.

Mas com o pai, podia ela bem. Era a sua menina querida e com uns abraços e beijos, derretia-se todo e embora não gostasse, deixava as decisões para a esposa, a Dona Fátima, que ao fim e ao cabo fora quem sempre administrara a família.
Já a Fatinha, como era conhecida desde menina, era lenha de outra fogueira. Geria como podia o pequeno negócio de costura. Apesar de estóica e sagaz, nunca conseguiu vergar a vontade férrea de Ana na luta pela independência total. Mãe e filha nunca chegaram a ser amigas. Toleravam-se como podiam, mas amiudadas vezes estalavam as discussões, invariavelmente por a filha não querer seguir a profissão da mãe e raramente a ajudar no negócio. Quando as encomendas apertavam, era certo e sabido que haveria disputa, as quais, apenas apressaram a saída precoce de Ana do lar maternal para consternação geral e vergonha da família. A mãe bem a tinha avisado para não se ajuntar com o filho do doutor.
“Mulher... que é mulher de honra, - dizia - só se deita na cama com um homem depois dos sagrados laços do matrimónio”. Ana fez orelhas moucas e levou a sua avante, acabada de atingir a maioridade.

Como consequência a mãe adoeceu e nem saiu de casa durante uns tempos, tal a vergonha, quando começou a ser alvo de risos pelas costas. Mas o tempo tudo cura e por fim resignou-se.
Mas Ana não queria recriminações. Não lhes diria nada. Quando soubessem de tudo, queria estar longe.
Apesar de tudo custava-lhe não se despedir pelo menos do pobre pai. Mas se fosse a casa deles, sabia ser mais que certa uma discussão e reprimendas da mãe.

Não, não precisava disso. Precisava de se sentir livre. De se descobrir a si própria.
Demandaria uma grande cidade, onde ninguém a conheça. Lá poderia levar a vida que quisesse. Tentaria esquecer o Paulo, sem reprovações ou conselhos de conhecidos intrometidos e maçadores.
Ganharia asas para novos voos… não interessavam quantas vezes cairia. Levantaria sempre a cabeça… fazia parte da sua maneira de ser, guerreira escorpiniana. Chegara a hora da verdade, tinha de seguir sozinha por esse mundo fora…

Acordou sobressaltada. Sentia-se a cair. Alguém abrira a porta do prédio. Acabrunhada, levantou-se de imediato esfregando os olhos. Uma velhinha sorria-lhe pedindo desculpa por a acordar, mas precisava sair, ia à padaria, disse. Ana desculpou-se, tinha adormecido na entrada e nem dera pelo frio cortante. Estava gelada. Esfregou os braços numa tentativa vã de os aquecer, olhando em redor.

O café defronte estava aberto. Na praça de táxis já havia um veículo na postura. Hesitou, entre ir directamente ao café ou apanhar o táxi.

.../...

Guilherme Faria

20 Comentários:

Às 14/11/05 00:53 , Anonymous Anónimo disse...

Vamos lá ver como é que a Ana se vai safar numa grande cidade; apesar de ser sonhadora e voluntariosa, está a provar (tambem) ser bastante corajosa por tomar um rumo que muitas mulheres não tem coragem para seguir, nomeadamente, ser independente e não deixar-se ir abaixo por uma relação em si desgastada. Gostei da tua forma de escrita; vamos ver se gosto do final (hi, hi, hi) da tua história. Uma bicadinha para ti e boa semana.

 
Às 14/11/05 03:47 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Mocho...

Também estou ansioso...
Vamos ver no que vai dar...

Boa semana

Bjinho

 
Às 14/11/05 19:18 , Anonymous Anónimo disse...

Passarei mais tarde para ler com mais cuidado. Vim agradecer a visita e dizer que não me importo que brinquem lá no meu canto alegria é preciso. Abraço.

 
Às 14/11/05 22:14 , Anonymous Anónimo disse...

Nesta parte ressalta a coragem da personagem Ana. Regressarei para a leitura de mais uma parte. Beijinhos.

 
Às 14/11/05 23:40 , Blogger Cristina disse...

Olá bufagato,
Eu continuo ansiosa para ver no que vai dar esta história
:)
Tem uma óptima semana, se eu não puder vir aqui, volto no fim de semana e vou ler tudo
:)
beijinhuuu

 
Às 15/11/05 01:34 , Blogger GNM disse...

Estou a gostar desta tua aventura!
Vou segui-la atentamente...


Tem uma excelente semana!

 
Às 15/11/05 12:59 , Blogger agua_quente disse...

Estou aqui lendo e esperando, cheia de curiosidade! :)

beijos

 
Às 15/11/05 20:47 , Anonymous Anónimo disse...

Bem tinha que ser "Ana" e como tal não nos vai deixar ficar mal ;-) fico á espera do que daqui vai surgir... Jinhos Gui

 
Às 15/11/05 22:37 , Blogger margusta disse...

Olá querido amigo,
...estou aqui para te agradecer as palavras lindas que me deixas-te quando do aniversário do meu pequenito..muito obrigada...és um querido.

Quanto á Decisão, tenho acompanhado...e estou ansiosa pelo resto...vá vamos lá a postar..
Jinhos muitoooooooosssssssss.

 
Às 15/11/05 23:32 , Anonymous Anónimo disse...

ÁH, granda mulher...eu gosto de mulheres como a Ana; ou estão ou vão. Mais nada!!!!! ehe, ehe, ehe...bem escrito. Abraço.

 
Às 17/11/05 00:23 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Frog...

Seja bem vindo...

É um pazer recebê-lo neste humilde cantinho.
Obrigado.
Volte sempre.

Abraço

 
Às 17/11/05 00:25 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Ofeliazinha...

Sempre querida,

Obrigado pela visita

Bjinho

 
Às 17/11/05 00:26 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Maria do Céu Costa...

Obrigado
pela disponibilidade e paciência

Bjinhos

 
Às 17/11/05 00:28 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Nita4ever...

Obrigado, boa semana também...

bjinhos

 
Às 17/11/05 00:30 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

GNM...

Agradecido pela visita e interesse.

Óptima semana também...

Abraço

 
Às 17/11/05 00:31 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Agua_quente...

Obrigado pelo interesse.

bjinho

 
Às 17/11/05 00:33 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Carlota...

Já está publicada.

Obrigado por seguir a Ana...

bjinhos

 
Às 17/11/05 00:36 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Perfect Womam...

Gosta do nome da Ana...lol

Vamos andando e lendo...

bjinho

 
Às 17/11/05 00:39 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Margusta...

Tens um belo rapagão... deixa-o crescer e vais vê-las à tua porta...lol

Obrigado.

bjinhos

 
Às 17/11/05 00:42 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Castor...

Gostas delas rijas como o aço... antes quebrar que torcer.

Mas olha que no teu dique não se metem... enferrujam!lol

Abraço

 

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