20 novembro 2005

Luís Monteiro da Cunha

A Decisão... (7)

Choro de um anjo
imagem daqui
.../...
Ficaram os dois a olhar o molde e o vestido, enquanto Ana nas suas costas, ainda sentada no cadeirão, estava revoltada consigo própria por ter feito tamanha estupidez.
O que mais lhe doía, era o facto de desagradar a Dr.ª Isabel, perdendo assim a confiança que esta lhe oferecera. A única pessoa que sempre a apoiou e lhe deu a mão quando mais necessitou. O que haveria de fazer? Iria colocar o seu destino nas mãos da Dr.ª Isabel. Aguentaria estoicamente a sua decisão, possivelmente seria o despedimento imediato, acompanhado das habituais recriminações.
Sabia o quão importante era esta colecção para a firma. Seria um salto qualitativo e quantitativo nos meandros da moda nacional e internacional, com o devido reconhecimento publicitário. Como dissera a Dr.ª Isabel no início da colecção:
- «Meninas! Espero de vocês o profissionalismo e a dedicação a que já me habituaram. Se conseguirmos terminar a colecção “Nevada” no prazo estipulado e com a qualidade que nos é hoje reconhecida, penso poder anunciar a todas, que esta firma poderá almejar outros voos. Choverão encomendas, principalmente com as portas que esta colecção nos abrirá. Confio em todas, como se fossem minhas filhas e sei que darão o vosso melhor. Esta encomenda é de corte especial e minucioso, nunca se fez nada parecido nesta casa. Por isso mesmo, peço-vos muito cuidado. Qualquer dúvida, agradeço que não inventem, não tentem resolver por vós próprias as dificuldades que se apresentem, perguntem à D. Olga, vossa encarregada, como devem fazer. Ela vos ajudará ou o Dr. Antunes. Agora… vá… vamos lá trabalhar… – Uma salva de palmas saudou a comunicação».
Agora, Ana deitara tudo a perder.
Olhou de novo para o par que continuava de costas voltadas para si.
Examinavam os seus rabiscos, feitos trapos, em cima da secretária do Dr. Antunes, enquanto falavam baixo. Ana tentou perceber o que diziam, mas apesar de toda a sua acuidade auditiva, não lhe foi possível perceber qualquer palavra. Deu um suspiro profundo e aguardou a sua sentença imóvel, disposta a aguentar tudo o que lhe dissessem, com humildade.
De repente, o par voltou-se e olharam ambos, profundamente Ana nos olhos.
Esta aproveitou para tentar adivinhar nos seus semblantes o que pensariam e lhe diriam.
Mas novamente se voltaram para a secretária sem que formulassem qualquer som.
Ana começou a ficar nervosa. O seu ser, a sua fibra, já não podia aguentar mais tempo calada e quieta. Precisava de ouvir qualquer som. Mesmo que lhe desagradasse. Para se defender. Mas como se poderia defender, se não era acusada? Tentou sossegar-se pensando no quanto devia moralmente à Dr.ª Isabel. Permaneceu calada e submissa, apesar de expectante e nervosa.
De repente o silêncio foi quebrado.
- Ana, podes chegar aqui? – Pediu a Dr.ª Isabel sem se voltar.
Lentamente Ana levantou-se e aproximou-se da secretária.
O vestido que idealizara na bancada de corte do atelier, estava ali estendido naquele tampo da secretária. Ainda não estava completamente costurado, mas já estava alinhavado o bastante para se perceber a forma e o feitio.
Diz-me Ana querida… que pensavas fazer? Explica-me – Pediu a Dr.ª Isabel.
Ana, ficou acabrunhada e estupefacta, por tão inesperado pedido. Que estavam a fazer? A estudar o seu simples desenho? Depressa se recompôs e fazendo um esforço de memória, agarrou no vestido e com a voz sumida, começou a explicar o que idealizara para aquele modelo de trajar.
Tratava-se de um vestido de noite, com decote em “ V ” e mangas compridas, mas abertas em quase toda a extensão dos braços, com pequenas fitas que poderiam servir para apertar a manga na sua extensão, se o desejassem, com laços.
Os punhos eram fechados e disfarçados com uma pequena pluma preta, que terminava em pingente, podendo ser rematado com uma pedra preciosa. Tinha pensado numa ametista.
As costas, estariam expostas em “8” podendo unir-se as faixas se o desejassem, com uma fita do mesmo tecido debruado a prata, no pescoço e no dorso, sendo esta de tamanho variável, podendo deixar quase a totalidade das costas à vista, se desapertado, ou apenas parte.
Todos os cortes à vista, seriam debruados a fio de prata.
Não existiam zipers ou botões.
No peito, do lado esquerdo, tinha pensado num bordado a negro e prata com motivos florais. Mas pequeno, para não sobressair demais. No ventre, seria bordada uma simples rosa transversal.
- E como pensavas fechar nas pernas? – Perguntou a Dr.ª Isabel - Ainda não consegui compreender o teu raciocínio nessa parte. Nem pelo esboço, nem aqui no modelo.
Ana, exemplificou o que pretendia para rematar nas pernas. Explicando minuciosamente todos os detalhes da bainha e do que em principio faria se pudesse concretizar a idealização do vestido que terminaria em folhos ligeiros, de corte transversal, como se fosse uma pequena e falsa cauda lateral, a descaír para a esquerda.
- Pois muito bem, – Disse o Dr. Antunes de repente – mas estamos a perder tempo precioso Dr.ª. Que vamos fazer agora?
A Dr.ª Isabel, olhou-o, deu um pequeno suspiro e lentamente rodeou a secretária sem lhe responder, sentando-se.
- Vamos fazer o seguinte Dr. Antunes... – Disse a Dr.ª Isabel, fazendo uma pausa e pousando os cotovelos no tampo, unindo as palmas das mãos e os dedos, como se quisesse fazer uma prece.
Ana ficou hirta e paralisada. Semi-cerrou os olhos e preparou-se mentalmente. A sua hora chegara. Havia chegado a hora da decisão. Por fim acabava o sofrimento, a tortura que estava a passar estava a terminar.
Como não ouviu qualquer voz, abriu os olhos e reparou no doce rosto, quase angelical da Dr.ª Isabel, que a fitava sem proferir palavra.
- O Dr. Antunes, já sabe... vai fazer como combinámos. Vamos ver se ainda conseguimos salvar a encomenda... - Disse a Dr.ª Isabel, dirigindo-se de seguida para Ana:
- Minha querida… que tens no teu vestuário?
- Apenas um guarda-chuva, um casaco e pouco mais… – Disse Ana perplexa, não compreendendo o inusitado teor da pergunta.
- Muito bem… Podes então recolher rapidamente as tuas coisas? Fazes-me esse favor querida? Depois volta aqui para conversarmos sériamente.

.../...

© Guilherme Faria

24 Comentários:

Às 20/11/05 10:17 , Blogger Nina disse...

Dá vontade de n parar de te ler...os textos parecem pekenos.

Beijinho e bom domingo :)

 
Às 20/11/05 14:41 , Blogger Que Bem Cheira A Maresia disse...

Li e reli e fiquei com vontade de continuar a ler...

Obrigada pelas tuas palavras lá no meu canto.

Votos de um bom domingo.

Beijo da Lina

 
Às 20/11/05 20:00 , Anonymous Anónimo disse...

É a vida e os meandros das estilistas e respectivos modelos, no mundo da moda. Engraçado todo esse rebuliço. Um abraço Cláudio.

 
Às 20/11/05 20:02 , Anonymous Anónimo disse...

Rectifico: Luís Cunha.

 
Às 20/11/05 22:43 , Anonymous Anónimo disse...

Ai a Ana...se fosse ela, bebia primeiro uma cervejola para enfrentar a bruxa o mágico; Queres saber onde "as" guardo? Rôda-se, uma vez disse á tua madrinha onde estavam e quando lá cheguei, só lá estava o caruncho da madeira. Nem penses. Só quando voltares a fazer anos. Anima-te, faltam poucos meses ehe, ehe, ehe...Abraço.

 
Às 21/11/05 01:18 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Nina...

Aunda bem... se parecem pequenos é porque gostas de ler e stás ansiosa pelo resultado...

Obrigado

Bjinhos e Boa semana

 
Às 21/11/05 01:19 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Mar revolto/Mar azul...

Lina, que bom saber que continuas a gostar e acompanhar...

Boa semana

Bjinhos

 
Às 21/11/05 01:20 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Soslayo...

Estás perdoado...lol

Obrigado por acompanhares.

Boa semana

Abraço

 
Às 21/11/05 01:24 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Castor...

A Ana não bebe, penso eu de que...
raios! Ainda agora tinha aqui uma e... Ana... onde está a minha bjeka? Alcoólica! lol

Só quando fizer anos? Vou secar até lá... estou feito... vou virar monge! :))

Boa semana

Abraço

 
Às 21/11/05 11:05 , Blogger Unknown disse...

Ai, ai, ai, Sr. Bufagato, isto assim não vale. Deixares o pessoal com água na boca, sem saber o que a Dra. Isabel vai dizer à Ana, cá para mim a Ana vai ser uma grande estilista, a Dra. Isabel ficou boquiaberta com tanta criatividade. Bem, trata logo de nos dares mais um capítulo que eu assim fico em pulgas e lá tenho que tomar um calmante.
Bom trabalho e cá fico à espera!
beijoca grande

 
Às 21/11/05 19:21 , Anonymous Anónimo disse...

Férias de um lado mas não do outro.:))Como alguém costuma dizer, ninguém olha para o nosso lado esquerdo:)):))Muito trabalho, muito trabalho.Um abraço.

 
Às 21/11/05 22:02 , Blogger António disse...

Obrigado pela visita.
Parece que a malta da Maia se está a especializar em blogocontos ou blogonovelas.
Só agora vi este "A decisão".
Não vou ler agora porque não tenho tempo disponível (talvez, em breve, disponha de mais), mas fiquei com curiosidade de ler tudo desde o início.
Vamos lá ver se me lembro.
(olha que o fundo preto torna a leitura muito cansativa para os olhos)

Abraço

 
Às 21/11/05 22:13 , Anonymous Anónimo disse...

Aposto em como a Ana, um dia destes, ainda muda de nome e a vemos na televisão com aquelas celebridades todas a rirem para as câmaras e a beberem champagne. Sempre apostei num bom fim para a "modistinha" recatada e humilde. Vamos ver se a história tem um final feliz para a moçoilinha. Continuo a lêr-te, amigo. Já volto. PIU!

 
Às 21/11/05 22:50 , Blogger margusta disse...

Olà querido Bufagato,
....Cada vez estou a ficar mais fã ..tanto da "Decisão", ..como do Guilherme Faria...pois é...

Quase consigo adivinhar o próximo capitulo...vamos edita mais...não consigo esperar..Vá Lá...

Quero dizer-te que tb estou a gostar do teu som....suave...

Beijinhossssssssssssssss

 
Às 21/11/05 22:52 , Blogger margusta disse...

Voltei....è para te dizer que pela segunda vez te venho livrar do 13º comentário.....lololol.

Jinhos e desculpa mas não resisti.

 
Às 22/11/05 00:29 , Anonymous Anónimo disse...

Ana não lhe mudes o nome não ;-) jinhos adorei o teu comment lá no meu cantinho ;-)com que então "evolução das espécies" lolol gostei realmente cada vez mais se utiliza a maxima dos advogados: " os compromissos fizeram-se lamentávelmente para serem desrespeitados..." ps: li-te depressa sabias? jinhos again bufa ;-)

 
Às 22/11/05 01:12 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Sona...

Enquanto é só com água... nada mal.
Mas ficavam melhor com uma bjeka. lol

Não quero que aumentes o pecúlio aos farmaceuticos...
Faça-se a tua vontade... ora lê!

bjinho

 
Às 22/11/05 01:15 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Dojaya...

Tens razão!
O lado esquerdo...
não é para esse lado que aponta o coração?
Já te vou auscultar...
Aguarda-me...

Abraço

 
Às 22/11/05 01:35 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

António...

Bem vindo a este humilde cantinho.
Também só conheci a sua existência através de amiga comum e sempre que puder irei tentar ler um pouco mais da sua obra...
Afinal devemos sempre tentar conhecer os conterraneos... nem que seja através do que postam.lol

Obrigado pela visita

Abraço

 
Às 22/11/05 01:37 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Mocho...

Acho que vou ter de izer ao Guilherme que faças uma parceria com ele... seria giro! lol
Pelo menos ideias não faltavam...

Beijos

 
Às 22/11/05 01:48 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Margusta...

Obrigado por gostares tanto da Decisão... como do Guilherme e ficares fã...
O Guilherme de certeza que vai adorar... se não te adorar já...

Já está postada mais uma sequela.

Essa superstição!
Mas não foste a 13ª, conta lá...

Bjinhossss

 
Às 22/11/05 01:50 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Perfect woman...

Não gostas do nome "Ana"? lol

De vez em quando, o intelecto excede-me...lol

Bjinho

 
Às 22/11/05 09:02 , Blogger margusta disse...

Bommmmmdiaaaaaaaaaaaaaaaaa...

Vim só espreitar....sou uma cusca..lololol

Desta vez não fui eu que fiz o 13º comentário...mas de qualquer modo livrei-te dele ao fazer o 14º...

Não gosto nada de ver 13 comentários....não sei porquê????
Ainda por cima sou nascida a 13..lolol

Jinhooosssssssssss

 
Às 22/11/05 20:23 , Blogger Luís Monteiro da Cunha disse...

Margusta...

O 13 é o numero da sorte.
Apesar de muita gente o associar ao azar, mas isso é por motivos religiosos, repara na ultima ceia:
12 discipulos e Jesus= 13! Foi um azar? Não! Desígnios poderosos que se conjugaram para que hoje pudessemos estar aqui frente a um ecrã e comentar... simples, não?

Não é bem assim, mas isso daria pano para mangas...

Bjinhosssssssss

 

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