26 setembro 2006

Luís Monteiro da Cunha

Mar dos Olhos

foto: Bufagato/2006

Mar dos olhos

Quando me tocas
Com essas mãos
Molhadas
De sabor a mar
Sensíveis, salgadas

Eu me espanto!

Na doçura do teu olhar
Reflectido nas pupilas
Adivinho o quanto
Tu choraste
Ansiaste
Para me abraçar

O que sofres, é sempre passado.

Quando nos meus braços te abandonas
solicitas-me desejo. Único momento,
quando em ti me afogo, não sou, não somos
desejo ou saudade, apenas espírito leviano
que nos corpos aportou.

Nada me dizes,
consumada a transcendência,
Do que te invade no dia e na noite,
Quando não estou.

Mas teus olhos não abandonam
a vidraça da janela, que é fria e quebrável.
Junto dela, esperas que a noite se rasgue no ventre do dia.
Que o verbo regresse e esconda em ti a apatia

O verso descrito nos límpidos lençóis
Inócua promessa de que um dia
Todos, seremos apenas dois

Na fogueira da noite fria
Nada existe depois.

Depois… bem, depois
Somos madrugadas…

Quando me tocas
Com tuas mãos
Molhadas
Das lágrimas de mar
Ternas, salgadas

Eu, ainda me espanto!


Luís Monteiro da Cunha

Publicado no JN - Leitor em 2006-09-30
.

20 setembro 2006

Luís Monteiro da Cunha

Lealdade a si próprio

foto: Bufagato/2006


De vez em quando, (e só de vez em quando) encontram-se pérolas.
Um dia destes, quando folheava o jornal diário, deparo-me com a seguinte citação:


É uma perfeição absoluta, dir-se-ia divina, sabermos desfrutar lealmente do nosso ser

Michel de Montaigue (1533-1592)
ensaísta francês

Conseguiu fazer-me pensar ainda hoje.
Quando reparo na sequência de simples palavras, que no entanto, são tão fortes e abrangentes, atingindo o âmago de todos aqueles que atentem nas mesmas.

Quem de nós, simples mortais, atenta na simples lealdade para com o nosso ser?
E quantos de nós se podem orgulhar de conseguirem desfrutar da nossa essência humana na sua plenitude?
Quantas vezes não traímos as nossas próprias convicções, por omissão ou covardia?

Uma simples frase que encerra em si, na minha modesta opinião, o paradoxo abismal da sintaxe relativa ao conceito que deveria reger cada um dos nossos princípios, conhecimentos e até quiçá, modo de escutar e desfrutar a vida.

Feliz daquele que, pelo menos tente, lembrar-se desta pequena frase e consequentemente, consiga desfrutar lealmente de si próprio.

Utopia?
Talvez. Somos tão fracos.

14 setembro 2006

Luís Monteiro da Cunha

Carta aberta a Paula

Cara amiga Paula

Deixe-me tratá-la por amiga, sim?

Este mundo, a que me orgulho (ainda) de pertencer, por aqui ter sido concebido e criado, e ainda por desconhecimento ou recordação de outras possíveis vivências, promove-me sentimentos ambivalentes:
- Por um lado, toda a beleza, no sentido lato da palavra, que existe no mais ínfimo pormenor; no mais pequeno grão de areia; na folha que se solta da árvore e lança-se nos braços do destino, embalada pela serena brisa da manhã, até terminar o seu ciclo de transformação da matéria de que é constituída. Se pensarmos bem, o corpo da folha não morre. Transforma-se. Em habitação de insectos, até, em alimento dos mesmos, ou em turfa que alimenta e sedimenta o planeta.
- Por outro lado, as maiores tempestades e mais nefastas, criam-se no cérebro humano, que, por desconhecimento, indolência, oportunismo: financeiro ou social, etc., não se coíbe de maltratar o seu próprio irmão, desprezando em si, os valores éticos e morais que deveriam suster determinados actos, os quais voluntariamente pratica no seu semelhante, esquecendo-se que é feito da mesma matéria perecível, subvertendo a seu bel-prazer, os valores da sociedade.
A culpa, morrerá solteira? Não! A culpa é nossa. De todos nós, humanos, que na galopante procura de sucesso, espezinhamos, fomentamos consumos supérfluos de inenarráveis materiais que nos dão o sentimento, efémero, de bem-estar, quiçá até, de felicidade aparente. Essa felicidade é tão sôfrega de ambicionados instrumentos (apesar de supérfluos para a sobrevivência) que para o seu desfrute, todos os meios são usados, mesmo aqueles que sabemos conscienciosamente serem errados.
Tudo neste mundo tem um preço a pagar. Estaremos a pagar o facto de um longínquo dia, termos abandonado a caverna e ousado sonhar escrever estas palavras no computador.
Dói-me o coração constatar, quase diariamente, o quanto esta sociedade, que se diz evoluída, regride nos seus actos. Cada descoberta válida e sã, que alguns interessados na evolução do conhecimento da espécie faz, é imediatamente deturpada e subvertida para um conceito económico de viabilidade na exploração. Criam-se gabinetes de marketing, apenas com o propósito de incutir na sensibilidade do consumidor a vontade de adquirir determinado produto ou bem, do qual nunca precisou até determinado momento e que se torna imprescindível quotidianamente. Luxos, a que não sabemos ou não queremos virar as costas, consumidores compulsivos de modas e estilos de pseudo-idolos que nos invadem diariamente o lar.

Sejamos reflectivos e tenhamos a coragem de dizer: Nâo.

Desculpe-me este desabafo.

Ao André Bordalo.
19 anos - assassinado, faz hoje um mês (2006-08-14) na praia de Copacabana.

A todas as vitimas.

Luís Monteiro da Cunha

Tenham um bom dia!

11 setembro 2006

Luís Monteiro da Cunha

Hoje, uma data? Um nome? Onde a honra?

::::::: 11/SET/2006, é hoje::::::::::
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...........\______» 1......1
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Sale:.........0191201





11?




foram muitos
mais...



os


motivos...





pois!

Onde se esconde

........................................ aa verdade

e

.............................. o motivo dourado

que a lembrança seja pródiga

..........................................nem tudo é como parece

04 setembro 2006

Luís Monteiro da Cunha

Uva ou lábios

Foto: Bufagato/2006
http://bufagato.blogspot.com




Continua perene o ciclo da vida que nos ilumina. Não se esgota nas ambições conquistadas, nas dores ultrapassadas, nos obstáculos que se nos deparam diariamente e nos fazem mais fortes, expectantes do dia de amanhã, que se confia mais simples, pelas experiências acumuladas.
Mais um ano se passou. Outro ano nos ombros e no bilhete de identidade. Outro ciclo que se renova, no desejo e na ânsia de sobrevivência feliz.




Uva ou lábios


Tão brilhante esse corpo
Fofo, aveludado, doce,
a pele fresca e o teu olor
Embriaga-me de desejo

Apetece morder-te
Descobrir-te por inteiro.

Abrir-te, como se abre um livro.
E ler-te, como prazer derradeiro,
de moribundo por ti a fenecer.

Assim és tu!
Bago de uva,
Ou mulher!

Doçura matinal saboreada
nos lábios e corpo de mel.
Ópio da alma se te esmagas
Na emergente flor da paixão.

De ti possuído, sou o dono
do mundo, levo-te pela mão
para a alcova do sonho.
Não resisto à tua sedução.


© Luís Monteiro da Cunha

Poema apresentado no último sarau em Vermoim
Tema: "As uvas"
Boa semana.