Cara amiga Paula
Deixe-me tratá-la por amiga, sim?
Este mundo, a que me orgulho (ainda) de pertencer, por aqui ter sido concebido e criado, e ainda por desconhecimento ou recordação de outras possíveis vivências, promove-me sentimentos ambivalentes:
- Por um lado, toda a beleza, no sentido lato da palavra, que existe no mais ínfimo pormenor; no mais pequeno grão de areia; na folha que se solta da árvore e lança-se nos braços do destino, embalada pela serena brisa da manhã, até terminar o seu ciclo de transformação da matéria de que é constituída. Se pensarmos bem, o corpo da folha não morre. Transforma-se. Em habitação de insectos, até, em alimento dos mesmos, ou em turfa que alimenta e sedimenta o planeta.
- Por outro lado, as maiores tempestades e mais nefastas, criam-se no cérebro humano, que, por desconhecimento, indolência, oportunismo: financeiro ou social, etc., não se coíbe de maltratar o seu próprio irmão, desprezando em si, os valores éticos e morais que deveriam suster determinados actos, os quais voluntariamente pratica no seu semelhante, esquecendo-se que é feito da mesma matéria perecível, subvertendo a seu bel-prazer, os valores da sociedade.
A culpa, morrerá solteira? Não! A culpa é nossa. De todos nós, humanos, que na galopante procura de sucesso, espezinhamos, fomentamos consumos supérfluos de inenarráveis materiais que nos dão o sentimento, efémero, de bem-estar, quiçá até, de felicidade aparente. Essa felicidade é tão sôfrega de ambicionados instrumentos (apesar de supérfluos para a sobrevivência) que para o seu desfrute, todos os meios são usados, mesmo aqueles que sabemos conscienciosamente serem errados.
Tudo neste mundo tem um preço a pagar. Estaremos a pagar o facto de um longínquo dia, termos abandonado a caverna e ousado sonhar escrever estas palavras no computador.
Dói-me o coração constatar, quase diariamente, o quanto esta sociedade, que se diz evoluída, regride nos seus actos. Cada descoberta válida e sã, que alguns interessados na evolução do conhecimento da espécie faz, é imediatamente deturpada e subvertida para um conceito económico de viabilidade na exploração. Criam-se gabinetes de marketing, apenas com o propósito de incutir na sensibilidade do consumidor a vontade de adquirir determinado produto ou bem, do qual nunca precisou até determinado momento e que se torna imprescindível quotidianamente. Luxos, a que não sabemos ou não queremos virar as costas, consumidores compulsivos de modas e estilos de pseudo-idolos que nos invadem diariamente o lar.
Sejamos reflectivos e tenhamos a coragem de dizer: Nâo.
Desculpe-me este desabafo.
Ao André Bordalo.
19 anos - assassinado, faz hoje um mês (2006-08-14) na praia de Copacabana.
A todas as vitimas.
Luís Monteiro da Cunha
Tenham um bom dia!